Matéria minha publicada na edição 408, de novembro/dezembro de 2011, da revista Problemas Brasileiros.
Um
presente da deusa Ciência
De
como uma imensidão de solos pobres e secos
se transformou no celeiro do Brasil e do mundo
se transformou no celeiro do Brasil e do mundo
EVANILDO
DA SILVEIRA
O
cerrado deve muito à ciência. Foi ela que moldou seu presente e poderá garantir
seu futuro. Graças ao trabalho de cientistas – melhorando espécies, modificando
a terra e criando novos métodos de cultivo, por exemplo –, essa imensa savana
de solos pobres e sujeita a secas se transformou numa das mais importantes
áreas agrícolas do Brasil e do mundo. Do mesmo modo, são as pesquisas
científicas de hoje que poderão tornar possível a transformação de sua enorme
biodiversidade em riqueza para o país, na forma de novos medicamentos,
cosméticos e outros produtos oriundos de substâncias extraídas de suas plantas
e animais. E são elas que poderão, ainda, criar uma maneira de aproveitar todo
o potencial da região, agropecuário ou natural, de forma sustentável, garantindo
sua preservação.
Até algumas décadas atrás, o cerrado era
visto como um ecossistema pobre e desinteressante, com uma vegetação raquítica
e pouco diversa, de onde quase nada se poderia aproveitar. Com 207 milhões de
hectares, o que representa cerca de 24% do território nacional, esse bioma é o
segundo maior do Brasil – atrás apenas da Amazônia. Suas vastidões vazias
começaram a ser ocupadas no século 18, com a mineração de ouro e pedras
preciosas. Junto com essa atividade surgiram os primeiros povoados.
Esgotadas essas riquezas minerais, os
habitantes da região tiveram de descobrir outra forma de ganhar a vida. A
alternativa que vingou foi a pecuária extensiva, a principal atividade
econômica daquelas paragens até praticamente o final da primeira metade do
século passado. Com a construção de Brasília, na virada dos anos 1950 para os
60, começaram a surgir estradas e ferrovias, pelas quais chegaram os migrantes.
Eles vinham atraídos pelas políticas agrícolas desenvolvimentistas do governo,
que queria integrar aquele território ao restante do país. Assim foram criadas
as condições para a expansão da agricultura comercial.
Foi então que a ciência começou a
mostrar todo o seu peso no destino do cerrado. Graças a ela, a região foi
incorporada ao processo produtivo da agropecuária nacional. Hoje, de sua área
total, cerca de 139 milhões de hectares são agricultáveis. “Além disso,
tecnologias recém-desenvolvidas para a recuperação de áreas degradadas, como a
integração lavoura-pecuária-floresta, permitirão ao Brasil, nos próximos dez
anos, destinar mais cerca de 10 milhões de hectares à produção de grãos, carne
e madeira”, afirma o engenheiro agrônomo e pesquisador José Roberto Rodrigues
Peres, hoje chefe de gabinete da presidência da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa). “Essa incorporação ocorrerá sem a derrubada de uma
árvore sequer”, acrescenta ele.
O fato é que de nada serviria toda essa
imensidão de terras sem o trabalho dos cientistas. Antes da intervenção deles,
a baixa fertilidade natural da região e a distribuição irregular das chuvas
eram fatores que limitavam seu uso para a agricultura e a pecuária. “O
desenvolvimento de técnicas de manejo e conservação foi essencial para o uso
racional desses solos”, diz Peres. “As pesquisas proporcionaram a descoberta de
processos de adubação e calagem [aplicação de calcário] com rendimentos de
máxima eficiência econômica e respeito ao meio ambiente.” Além disso, técnicas
que tornaram possível o desenvolvimento mais profundo das raízes propiciaram melhor
aproveitamento do estoque de água dos solos, importante para enfrentar os
períodos de estiagem que ocorrem em plena estação chuvosa, os chamados
veranicos. Leia mais...